domingo, 14 de novembro de 2010

Análise do Fã: Uma triste manhã de novembro



* (Por Daniel Wuo)

"Oito da manhã e seu sono tranquilo é interrompido pelo despertador. Desagradável acordar cedo em pleno domingo, mas para quem recentemente já havia invadido tantas madrugadas sem dormir, oito da manhã parecia mais horário nobre.
Tão nobre quanto o motivo que a fazia despertar. Era dia de final, com grandes perspectivas de título. Título inédito. Pra falar bem a verdade, nesse horário deveria era estar comentando o jogo nos estúdios da TV e não estar se espreguiçando na cama.
Mas subitamente mudará de plano depois de sua experiência da manhã anterior. Teve, na ocasião, de se controlar sabe-se lá como pra não extravasar tudo que sentiu nas três horas de sufoco das brasileiras diante das japonesas. Engoliu a seco os palavrões que, em reações típicas de torcedores, ameaçavam escapar de sua boca.
Não fosse o controle emocional construido ao longo de todos esses anos de carreira e teriam lhe amordaçado com fita isolante para evitar o pior. Conhecia seus limites emocionais como atleta, mas há tempos não sentia na pele o que era ver o jogo sem participar diretamente dele; era novamente caloura na arte de torcer. Sabia que não se conteria dessa vez. Não soltar um palavrãozinho sequer, logo num jogo contra as russas? Mudou os planos e cancelou sua participação. Iria torcer em casa e xingar quem quisesse, o quanto quisesse e do que bem entendesse.
Escovou os dentes e foi então pra um leve aquecimento, na cozinha mesmo. Entre um alongamento e uma golada de café, se imaginou no ginásio e colocou a mão no peito e emocionada ouviu o hino nacional.
Procurou adversário pra cumprimentar e só então se deu conta de que não havia sequer uma rede pra dividir sua quadra, digo, sala. Viu na tela as jogadoras sendo apresentadas, uma a uma, seu treinador acenar para os torcedores. Não usava joelheiras, não tinha cabelo pra ser preso. Seu uniforme era diferente dos de suas companheiras.
Ainda tentou se beliscar pra ver se acordava daquela sensação estranha de estar tão perto de seu mais recente sonho como jogadora, e ao mesmo tempo tão longe e incapaz de ajudar sua seleção a realizá-lo. Sem despertar pra nada e com o braço marcado pela dor, se conformou e enfim, se acomodou no sofá.
Quando viu a equipe abrir boa vantagem logo de cara, sentiu que a vitória não escaparia dessa vez. Com sorriso no rosto viu um sexteto igualmente feliz em quadra, defendendo muito, atacando com precisão. Parecia que o tempo havia parado no set decisivo do dia anterior e agora descongelava, tamanha semelhança na postura das brasileiras.
Depois de ver sua seleção fechar o primeiro set, viu as russas reagirem no segundo. Essas russas não iriam lhe dar sossego assim facilmente, pensou alto.
Quando viu o treinador que tanto admira e que adotou como segundo pai aos berros no pedido de tempo, por um instante pensou que o jogo fosse da seleção masculina. Com a imagem de seu atual treinador de clube na cabeça, lembrou dos tempos em que admirava Ana Moser, via a seleção pela TV e sonhava em um dia estar do outro lado da tela. Quando despersou o pensamento, viu que o jogo estava empatado e teve a certeza de que a garrafa térmica com chá de camomila que havia preparado seria útil.
No set seguinte se viu vibrando, ao ver a bola atacada por Sheilla carimbar o rosto de Sokolova. Era sinal de que, literalmente a essa altura do campeonato, seu lado torcedor dominava o de atleta.
Então veio o quarto set e ela voltou a ter a estranha sensação de estar em quadra. Bateu uma ansiedade enorme. Fechar a partida naquela set era tudo o que mais queriam. Sentia isso no olhar de cada uma. Quando o time russo abriu 10 pontos de vantagem, reencontrou o sentimento de incapacidade total pra ajudar suas companheiras naquele momento. Não via o time em quadra. Viajou um pouco no pensamento e estranhamente viu as jogadoras ali, ao seu lado, sentadas no sofá. Esfregou os olhos e desconfiou do chá de camomila.
O jogo iria então para o quinto set. Segura de que estava ali como torcedora, achou prudente se benzer e preparar uma jarra de suco de maracujá.
Se deu conta de como a equipe havia se abatido no set anterior e ficou feliz ao vê-la retornar com valentia, confiança e concentração reestabelecidas. Gritou, comemorou, roeu as unhas. Ao ver o juiz coreano dar um inapelável veredicto equivocado no ataque de Sheilla, sobrou pra mesinha central, que levou um murro.
Gamova, porém voltara impiedosa. Isso lhe fez lembrar do dia em que, ainda criança, resolveu alugar um VHS do filme Rocky IV.
Recordava-se agora de que havia um gigante lutador russo que parecia um armário e que fazia carnificina com o personagem de Sylvester Stallone.
Relembrando a raiva que tinha na infância, viu na atacante o personagem do filme, o tal Drago, e percebeu que a Rússia era um carma que carregava por muito mais tempo do que imaginava.
Pasma, viu as russas virarem o set na reta final e comemorarem o título.Não podia acreditar naquilo. Estática no sofá, se sentiu frustrada. Em 2006 já havia passado por isso como atleta. Quatro anos depois sofria a mesma angústia como torcedora. Não sabia qual era a mais dolorida das sensações.
Arrasada, já não tinha a menor idéia se era torcedora ou jogadora. Se estava em seu apartamento ou em Tóquio. A única certeza era de que sentia a mesma dor que cada uma das jogadoras carregavam após tanta luta, dedicação e evolução apresentados nesse Mundial.
Viu as amigas Fabi, Jaqueline, Sheilla, Fabiola, Fabiana, Sassá, Thaisa e Natália aos prantos e entendeu mais do que ninguém aquele sofrimento todo. Deixou escapar então uma lágrima de orgulho por se lembrar que faz parte de um grupo com tanto brio e caráter.
Se levantou e, sob o silêncio que tomava conta do apartamento, só pensava no dia em que estaria jogando novamente ao lado desse time."


Fonte: (Esse texto está no site da Mari e foi escrito por um fã. Achei lindo demais. Emocionada, resolvi postá-lo aqui.)

2 comentários:

  1. Ótimo textooo. Infelizmente não foi dessa vez (de novo), mas as meninas estão de parabéns, foram guerreiras e lutaram até o ultimo ponto. Fico triste tbm, mas elas honraram a camisa que vestem. Quanto as russas, tiro meu chapéu pra Gamova e assim é o ciclo da vida, um ano ganhamos todas as competições, outro perdemos...então que venha 2012 com mais uma medalha olímpica...ehehe

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  2. Boa Tata, esse é o espírito!

    Que venha a medalha olímpica! XD

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