segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Uma pessoa, não fumante. (por Tati Bernardi)


"Quando tive de ir a trabalho para Paris fiquei dividida entre uma alegria sem fim e um pânico absoluto. Feliz porque iria finalmente fazer a viagem dos meus sonhos e triste porque não era exatamente sozinha que eu planejava ir à cidade mais romântica do mundo.Pra piorar, eu tinha levado meu primeiro e único pé na bunda não fazia nem um mês. Estava mais fragilizada que a testa de um bebê recém-nascido. Será que era uma boa viajar assim, sozinha, para um lugar onde até um lixo entreaberto numa esquina de paredes descascadas parece uma boa paisagem para uma foto?
Quando cheguei no quarto do hotel dois chocolatinhos me esperavam. Ou eles pensaram que era realmente impossível uma pessoa ir sozinha a Paris ou acharam que uma pessoa desacompanhada, naquele lugar, merecia ao menos dois chocolates: um pra matar a vontade e o outro pra não se matar. Não vou dizer que a primeira noite foi fácil. Chorei um pouquinho no banho, liguei pra minha mãe, assisti uma bobeira qualquer na TV, coisas que a gente faz quando a alma está pesada demais para dormir.
O almoço do dia seguinte também não foi das coisas mais tranquilas do mundo. Olhei para o salão enorme e não avistei sequer uma mulher sem uma mão máscula para pagar a conta. Eram, em sua maioria, casais em lua-de- mel ou em segunda lua-de-mel. Pessoas comemorando o casamento ou tentando salvar o casamento. Em resumo eram pessoas que estavam ali em nome do amor. E eu estava em nome de comer o mais depressa possível porque já estava atrasada para os meus afazeres do dia.
Mesa pra um, não fumante. O garçom faz a cara mais feia do mundo para a minha frase. Será que estar sozinha era ofensivo em Paris? Ou não fumar era ofensivo em Paris? Só depois fui descobrir que não falar francês era ofensivo em Paris. E só muito depois fui descobrir que os franceses gostam de olhar feio mesmo, não importa o que você fale, é o jeito blasé deles. Devorei a comida sem olhar para o lado. Na verdade, sem olhar para a frente, para trás, para lugar nenhum. Aquele restaurante parecia ter saído de um final brega de novela. Todo mundo tinha se dado bem. Todo mundo se amava. Menos eu, menos eu. E eu? Tive de pedir dois chocolates de sobremesa.
E os primeiros dias se arrastaram assim. Até que lá pelo terceiro tirei uma tarde de folga e fui conhecer o Louvre. Não tive muita paciência de ver obra por obra e comprei um daqueles guias que te levam sem erro aos principais trabalhos. Fiquei numa alegria só quando me dei conta que finalmente estava no Louvre, cansadona, sentada no chão, comendo um lanche gigante de queijo. Sei lá porque comecei a rir sozinha dá minha falta de glamour e me senti extremamente feliz. Saindo de lá parei num desses cafés que você jura que só quem é muito intelectual e especial pode entrar. Tomando a água com gás mais incrível da minha vida e o crepe mais incrível da minha vida, só lamentei a falta de uma coisa. Não, não foi de nenhum homem ao meu lado. Foi de eu não estar usando uma boina creme. O mundo estava usando uma boina creme e eu definitivamente precisava de uma.
Paguei a conta do café e comecei a minha peregrinação por lojinhas e lojonas atrás de uma boina creme. Entre boinas de dez e dez mil euros e figurinhas e figurões, tive um dos fins de tarde mais inesquecíveis da minha vida. Cheguei no hotel sem nenhuma angústia no coração e na melhor companhia de uma boina creme. Era com ela, inclusive, que eu tinha um jantar marcado para aquela noite. Tomei um banho demorado, me maquiei e saí em busca de um lugar charmoso e divertido para jantar.Tinham demorado três longos dias para eu descobrir como era incrível sair pelas ruas sem medo de nada. Nem de assalto, nem de ruas esburacadas, nem de não achar um lugar bacana sem precisar de carro e, principalmente: sem medo da solidão.Paris é sim a cidade mais romântica do mundo. Foi lá que eu me apaixonei pela minha companhia."

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