domingo, 5 de agosto de 2012

A Arte de Ser Feliz (Cecília Meireles)



Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser
feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma
época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas
todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com
a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie
de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as
plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e
meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças
que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e
fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como
refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de
Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo
está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto
completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades
certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não
existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e
outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

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